Sem a pretensão de esgotar o assunto, segue o terceiro post sobre tema Superendividamento. Tamanha é a influência da Doutrina Estrangeira na busca de soluções para o problema no ordenamento jurídico brasileiro, como bem explicitou Heloísa Caperna em “Uma lei para consumidores endividados”.
No Direito Francês, O Code de la Consommation, que é o código ao Consumo dos franceses, ao disciplinar a publicidade referente às operações de crédito gera a obrigação para o fornecedor de incluir em sua publicidade dados relativos à identidade do credor, à natureza, ao objeto, e à duração da operação proposta, ao custo total do crédito, à taxa efetiva global e às despesas financeiras e ao montante dos pagamentos por prestação.
Quanto à obrigação de conselho que se agrega ao dever de informar, o profissional deve fornecer de forma adequada o conselho esperado pelo consumidor. Assim, a mera apresentação da oferta não pode ser utilizada pelo fornecedor como escusa à responsabilidade visto que aquela não o dispensa do dever de conselho, principalmente quando o tomador possui módicos recursos face aos excessivos encargos que serão estabelecidos em virtude da contratação. Com base nisso, os empréstimos concedidos sem a devida averiguação quanto a sua razoabilidade sujeitam à responsabilidade civil os fornecedores de crédito.
Algumas medidas existentes no direito francês são de desejável aplicação como prevenção ao superendividamento no Brasil, como por exemplo, a instituição de um prazo especial de reflexão mais eficaz que o já existente no CDC. Deste modo, Geraldo de Faria Martins da Costa, na mesma linha de entendimento de Claudia Lima Marques, sugere a introdução no direito brasileiro de um prazo de reflexão, dentro do qual fosse possibilitado ao consumidor analisar todos os aspectos do contrato que estaria prestes a assumir, sendo-lhe, assim, facultada a renúncia. Desta forma, a decisão final por parte do consumidor de crédito seria tomada com total conhecimento de causa, de maneira consciente e reflexiva
O que se deseja é que o legislador brasileiro se inspire no Direito francês e venha a adotar medidas mais específicas para proteger os consumidores de crédito, como por exemplo, além do prazo especial de reflexão, proporcionar um regime especial de garantias pessoais e possibilitar a ligação jurídica entre o contrato principal e o contrato de crédito.
Como se não fosse bastante, os franceses também buscaram um plano para tratar as situações de superendividamento, possibilitando que o devedor reorganize-se financeiramente. Para tanto, comissões de superendividamento dos particulares foram instituídas na França, onde serão analisadas as condições de admissibilidade da demanda proposta pelo devedor que as procurar. Tais condições constam do Code de la Consommation, podendo se beneficiar deste processo as pessoas físicas desde que estejam de boa-fé e que seja constatada a ausência de condições para fazer frente à totalidade de seus débitos, sejam eles vencidos ou vincendos.
Nessa esteira, a Dinamarca destacou-se pelo pioneirismo no tratamento do tema superendividamento, ao estabelecer a primeira legislação em 1984. Em seguida veio a França, cuja contribuição é indiscutível, com a Lei Neiertz. Ademais, Bélgica, Holanda, Alemanha, Áustria, Luxemburgo, Suécia, Noruega, Finlândia, Canadá (Quebec) e Estados Unidos também legislaram a este respeito, cada um apresentando um molde de solução para o tratamento do endividamento dos consumidores. Os que mais se destacam são o francês – que opta pela reeducação – e o americano, pelo fresh start.
No tocante às soluções pelo fresh start, geralmente estas se dão com a verificação do ativo e liquidação do passivo somada ao perdão de dívidas, ficando excluída a hipótese de penhora sobre possíveis rendimentos futuros, ou seja, tudo no sentido de gerar ao devedor a possibilidade de reiniciar sua vida sem débitos anteriores. Verifica-se, portanto, que o modelo norte-americano, eivado pelo individualismo típico, objetiva a proteção do consumidor por considerá-lo agente central para o bom funcionamento do mercado. Todavia, tal solução revela-se ineficaz para os credores, pois ao facultar a possibilidade de perdão aos devedores que porventura poderiam pagar pelo menos uma parte de suas dívidas, isso se traduz em prejuízo certo aos credores, que têm suas expectativas frustradas. Ademais, e igualmente prejudicial ao credor, a responsabilidade do devedor termina com a venda de seus bens; é o benefício do fresh start por meio do qual a lei num prazo de quatro meses concede ao devedor um novo começo, restando-lhe apenas como óbice recorrer ao sistema dentro de um prazo de seis anos.
Na Alemanha, a proteção ao consumidor no tocante ao crédito a consumo teve seu pontapé inicial com as decisões jurisprudenciais, que se inspiraram no critério de anulação de contratos, cuja essência contrariasse os bons costumes ou se prevalecesse da fraqueza alheia.
O direito português prevê um período de reflexão de sete dias para o consumidor arrepender-se, o que demonstra que os lusitanos acompanharam a tendência consumeirista de recuperar a figura do arrependimento, embora este no direito brasileiro se apresente de modo mais restrito, visto que apenas é aplicável nas contratações realizadas fora do estabelecimento.
Na Inglaterra, vigora o chamado Consumer Credit Act que consiste na determinação, nos casos em que há insolvência pelo consumidor, que este pague apenas o que for considerado razoável pela corte.
Em síntese, como bem afirma José Reinaldo Lopes, ao se proceder à investigação da legislação comparada faz-se necessário analisar a cultura jurídica do ambiente social de sua incidência bem como seus sistemas de aplicação, haja vista a contribuição que pode agregar ao Direito Brasileiro.
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