Nesse post analisarei a subsunção do superendividamento ao suporte principiológico da teoria geral dos contratos.
A publicidade desatrelada do dever de informar, inerente ao contrato de crédito, funciona como um convite ao consumo em massa e é um dos fatores desencadeadores do superendividamento. Paralelamente, ocorrem casos em que não é o indivíduo que se coloca nessa situação, mas circunstâncias e problemas supervenientes ao contrato firmado é que o colocam na probabilidade de enquadrar-se em situação atual ou iminente de não conseguir arcar com suas dívidas, com potencial risco de tornar-se insolvente.
O consumidor superendividado merece proteção especial à margem da teoria geral do cumprimento dos contratos e não há uma solução adequada no Direito Brasileiro para resolver esse problema. As situações de superendividamento requerem um tratamento especial, sendo insuficiente a proteção existente no Código de Defesa do Consumidor. Há necessidade de se fazer uma releitura e uma nova interpretação dos dispositivos e princípios já existentes, sem olvidar a lógica clássica do pacta sunt servanda. Além disso, é preciso que haja espaço para leves relativizações, mas sem que seja necessário trilhar caminhos para um novo paradigma contratual.
O tema superendividamento é tratado como um assunto avesso à teoria clássica dos contratos. Entretanto, embora o consumidor de crédito de fato necessite de uma proteção especial face à situação de superendividamento, a solução para o problema não precisa aniquilar a teoria clássica dos contratos. Reitero que revela-se salutar a aplicação da teoria clássica dos contratos. O que a princípio pode soar contraditório, não o é em sua essência. É preciso ter em mente o caos que seria gerado na vida econômica que os contratos movimentam se houvesse relativizações ao pacta sunt servanda sem maiores critérios.
Seria negar por completo a autonomia da vontade e liberdade contratual do consumidor e louvar o inadimplemento pela consideração equivocada de ser obsoleta a teoria clássica. O que se impõe, no entanto, é que essa conservadora teoria clássica venha ao socorro dos consumidores de crédito que se oneram acima das próprias forças e são conduzidos ao superendividamento. Eles precisam de um tratamento mais cuidadoso do que o existente no CDC, ou seja, carecem de proteção especial na justa medida de sua hipossuficiência e no limite de suas necessidades.
Observa-se que o fenômeno do superendividamento não é apenas econômico, mas também social. Daí resulta a preocupação em relação à gênese dos contratos e sua conseqüente função social na relação de consumo de crédito.
Faz-se necessária uma releitura da função social desempenhada pelos contratos na relação de fornecimento de crédito ao consumidor, visto que este é a parte que se encontra em total posição de vulnerabilidade e hipossuficiência, porquanto o fim do contrato somente é alcançado quando a vontade dos contratantes é perfectibilizada pelo instrumento contratual.
Não obstante “qui dit contractuelle, dit juste”, é preciso que haja a conciliação dos interesses das partes envolvidas por meio de mitigações mínimas à teoria clássica dos contratos, permitindo que incida na relação o princípio da boa-fé e seus deveres anexos e a ora referida função social. Todavia, isso deve se dar sem anular a força obrigatória dos contratos, porque justamente o que se busca é o restabelecimento do equilíbrio na relação contratual e não o fim desta, observando assim o princípio da preservação dos contratos. Resta provada, portanto, a atualidade da teoria clássica dos contratos.
Reafirmo, portanto, as elucidações de Eros Roberto Grau, de que tais relativizações não se tratam de novos paradigmas. Muito pelo contrário: seria a própria teoria clássica sendo relida à luz da boa-fé objetiva, da função social do contrato e da necessidade de restabelecimento da equivalência material.
Nenhum comentário:
Postar um comentário